Parto humanizado é direito, não privilégio

Quando insisto que parto humanizado no Brasil é elitista, há quem levianamente interprete que, com isso, quero dizer que só o merece e atinge quem por ele pode pagar. Ou ainda: quando alerto as mulheres de que parir no SUS atualmente é loteria, que é necessário preparo e que, se bem há maternidades que contam com atendimentos padrão e que, por outro lado, há outras Brasil afora que mais se parecem com açougues, dizem que enfraqueço e desmereço o sistema público… e pior: que não luto por ele. 🙄

Se tem uma coisa que não sou é terrorista. O cenário é esse e a realidade posta é exatamente essa, basta se aprofundar um pouquinho nas pesquisas. O parto humanizado com equipe centrada na figura médica, de maneira particular, é impagável e impossível para a maioria das mulheres e não deveria ser a saída para todas elas. Não porque elas não mereçam, mas simplesmente porque não há como pensar em atendimento universal dessa forma. É exorbitante, não existem profissionais suficientes e vale lembrar que o parto acontece, na maioria das vezes, de maneira fisiológica – e não necessariamente precisa ser assistido por um médico. Digo e repito que o parto acontecerá com, sem ou APESAR da assistência.

E a solução está no SUS.

O sistema público de saúde, a exemplo de alguns países europeus (ainda que não perfeitos), deveria ser um modelo de assistência inclusiva, respeitosa, digna, pautada nas escolhas, no protagonismo da mulher e na ciência. Um modelo em que a Enfermeiras Obstétricas e Midwives (parteiras) deveriam ser o centro da assistência, atendendo aos partos de risco habitual e derivando os de alto risco que realmente precisassem de assistência médica conjunta ou de intervenção, absorvendo a grande demanda e conduzindo mulheres, bebês e famílias com respeito, segurança e forte base científica, sempre. Um sistema que absorvesse à assistência o fundamental trabalho das doulas, tornando-o finalmente inclusivo e disponível para todas. Um ambiente em que se atendessem mulheres que não pudessem pagar e as que pudessem (e não quisessem) também, de forma que as que fizessem questão de exclusividade e “luxos” pagassem por eles, entendendo que são luxos e luxos são caros.

Deseja um médico exclusivo, assistência 1:1, disponível pro seu parto ou pra eventuais emergências 24/7, dedicado à sua história, em um cenário com estrelinhas no teto, banheira de hidromassagem e videofotografia profissional? Que se pague. Quer um parto respeitoso, fisiológico, seguro, protagonizado por você, cujas decisões são partilhadas entre equipe de plantão, mulher e família? O sistema com que todas sonhamos (e que já existe em algumas maternidades do país), deveria prover. Urge saber diferenciar DIREITO de PRIVILÉGIO.

Parto humanizado não é luxo, é direito. E, como tal, deveria ser para todas.

Ainda, engana-se profundamente quem pensa que, para desejar e lutar por isso, se faz necessário estar na linha de frente do SUS o tempo todo, fazendo caridade ou atendendo pro bono. Essas funções são bem válidas, mas não as únicas. Eu mesma estive pelo SUS por quase 10 anos e já não estou mais, por incompatibilidade de agenda e outras questões (que valem um texto próprio).

Para lutar pelo parto humanizado para todas vale fazer o que estiver ao alcance. Vale se munir de informação, vale compartilhar conhecimento, vale ser usuária do sistema e estar realmente por dentro do que acontece, vale lutar por seus direitos, vale fazer barulho, vale saber votar (candidato que minimiza qualquer direito da mulher certamente não terá o parto como causa própria, né?), vale lutar por reembolso caso seja usuária de plano de saúde, vale encher o saco da ANS, vale questionar, vale convencer aquela única amiga grávida de que parir no SUS pode ser melhor e mais inteligente do que ir pro plantão violento do plano de saúde… vale tudo e muito mais.

Enquanto se pensa que o SUS não serve de nada e que melhor mesmo é ter grana pra pagar pela equipe, não sairemos do lugar. Pense no que você pode fazer agora para fortalecer o SUS. É uma ação enorme? Que maravilhoso, faça. É algo pequeno que só mudará a vida de uma pessoinha? Que maravilhoso, faça.

Mas faça.

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