O toque vaginal do trabalho de parto

O toque vaginal é dessas entidades institucionalizadas na obstetrícia, quando da medicalização do parto, que as mulheres sempre aceitaram e raramente questionam. O que a maioria não sabe é que, ainda que durante o trabalho de parto, NÃO É NECESSÁRIO FAZER TOQUE o tempo inteiro, com tanta frequência. Não muda a conduta, não acelera o parto (aliás, precisa?), não protege mãe e bebê e é consideravelmente invasivo e incômodo pra quem o recebe, além de aumentar ansiedade de ambas as partes, sem qualquer benefício extra. Afinal, já é bem sabido inclusive que 1 ou 2h (e até mais) são tempo bem parco para qualquer alteração no cenário do parto. O indispensável é que a ausculta sim seja bem rigorosa e amiúde, do contrário configura negligência e má assistência. Se essa ausculta, portanto, está perfeita, o recomendado é esperar e vigiar.⠀

Essa observação é base para qualquer profissional experiente da assistência, que consegue entender perfeitamente a progressão do parto sem se apoiar no toque e invadir o corpo da mulher de hora em hora (perspectiva que já caiu em desuso desde 2002, aliás – dá Google depois nas Curvas de Zhang).⠀

É importante, então, saber que:⠀

➡ O toque vaginal não serve apenas para avaliar a dilatação, que é inclusive o de menos: ele nos ajuda a entender em que posição e altura na pelve o bebê está, como está rodando, se está bem posicionado, além das características evolutivas do colo, puramente;⠀

➡O toque vaginal só é importante para determinados momentos do parto: quando, durante a assistência pré-hospitalar, como no caso da minha equipe, precisamos tomar a decisão de ir para o hospital ou não (no nosso caso de partos hospitalares) ou se o binômio mãe-bebê apresentar alguma anormalidade no decorrer do trabalho de parto – e aí as informações sobre o colo e o bebê nos ajudam a tomar a decisão sobre o que fazer em seguida.

No SUS, o toque também é relevante para que se defina se a mulher será internada para o parto ou ainda não (caso esteja contraindo né?).⠀

➡ É possível perceber a boa progressão do trabalho de parto com base em DIVERSOS sinais que a mulher nos dá, basta saber observar:⠀

se o padrão das contrações/dor muda – e como muda;
o padrão de vocalização da mulher (e se há vocalização) – de gemidos baixos a mais altos, do grito ao puxo;
se, de repente, essa mulher para de interagir, controlar o ambiente e se introspecta mais;
se já há fezes, vômito, tampão, sangue, líquido;
o foco da ausculta descendo e centralizando (significa que o bebê está descendo e rodando!);
se a mulher começa a querer desistir, pedir uma cesariana, falar que já não aguenta mais, bate aquele desespero – fase de transição!
como a mulher se movimenta (normalmente as mulheres buscam posições mais verticalizadas conforme o TP avança e provocam instintivamente assimetrias da própria pelve pra ajudar na entrada e descida do bebê);
a região perineal (conforme o bebê se aproxima da saída, toda a região fica mais abaulada)

E por aí vai.⠀

Nada no cenário de parto é analisado isoladamente, são itens observados em conjunto e, somados a toques APENAS QUANDO NECESSÁRIO E PREVIAMENTE CONSENTIDO PELA MULHER, conseguem nos dizer se o trabalho de parto está evoluindo bem e se podemos ou precisamos fazer algo pra ajudar (lembrando que geralmente somos inúteis ok?).⠀

Reafirmo que toques vaginais sucessivos, sem consentimento ou mesmo com fins educativos (salas de parto lotadas de alunos em fila para “treinar” o toque vaginal na mulher em pleno TP!) configuram violência obstétrica!⠀

Informe-se e confie no seu corpo – ele é mais sábio do que muitos “dedinhos invasores” por aí.⠀

Foto: @marciapiresfotografia

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