Cada mulher que passa por um abortamento logo no início da gestação, além de padecer com a tristeza da perda e viver seu luto, também sofre com o silenciamento de sua dor.
É possível que você tenha vivenciado um trauma significativo ao receber a notícia e se sentido desamparada pela equipe médica, que lhe ofereceu apenas orientações técnicas frias, sem o devido acolhimento pelo seu momento. Muitos profissionais de saúde parecem ignorar o quão cruel é dizer a uma mãe que acaba de descobrir que seu filho já não mais vive: “Daqui a pouco você tenta de novo” ou “que bom que foi no início né?”.
É muito provável que não tenham te apresentado a opção de aguardar que o processo se desse de forma natural e que você tenha sido encaminhada para um procedimento de esvaziamento uterino (que não é isento de riscos e deve ser indicado em casos bem específicos). E, pior ainda, você acabou na sala de recuperação ao lado de mães que acabaram de dar à luz.
A pressão da família, do trabalho e da sociedade para que você volte ao “normal” o mais rápido possível e a incompreensão em relação ao motivo de você estar tão emocionalmente abalada por um bebê que você nem chegou a conhecer podem ser avassaladoras.
Ninguém te ofereceu informações de maneira clara e acolhedora.Nunca te disseram o quão comum é o aborto no primeiro trimestre – existem estatisticas que apontam cerca de 20%, a depender da população e dos fatores de risco. Ainda, não te tranquilizaram de maneira suficiente e convincente: nada do que você possa ter feito causou o aborto e nada poderia tê-lo prevenido. A maioria esmagadora das interrupções de desenvolvimento ocorre por causas genéticas, e não há nada que possa ser feito para evitá-las. E nada do que você imagina as causa.
Se você soubesse antes o quão comum é, quantas mulheres passam por essa experiência muito mais frequentemente do que você imaginava, e se te dissessem que você não tem absolutamente nenhuma culpa pelo que aconteceu, talvez fosse menos difícil lidar com essa dor. E falar sobre ela.
Eu sei que esse assunto ainda é um grande tabu, mas não falamos o suficiente sobre m0rt4, intercorrências e complicações. É muito mais difícil acolher um desfecho ruim e não esperado quando sequer imaginamos essa possibilidade.
Peço desculpas se pareço portadora de más notícias, mas as gestantes devem estar cientes da possibilidade de não terem um bebê vivo nos braços. Isso é chocante e minha intenção não é causar medo ou insegurança, mas é necessário também falar sobre os maus desfechos e que podem ocorrer. Inclusive bons planos de parto incluem as preferências de conduta em caso de óbito fetal.
Não é mórbido pensar em m0rt3 quando o que se espera é a vida. É a realidade.
Tanto para que mulheres como você, que passaram por um aborto, sejam acolhidas em sua dor, como para que outras saibam que essa possibilidade existe e possam se preparar para essa situação.
E pra você, um grande abraço. Eu te vejo.