E quando tem mecônio?

“O bebê fez cocô na barriga e por isso teve que ser cesárea!”, “Tem que nascer logo antes que faça cocô na barriga, é muito perigoso!”⁣⁣

Quantas vezes ouvimos essas frases e suas variações?⁣

Não é para menos, pois trata-se de um dos maiores medos entre gestantes, (alguns) médicos e (alguns) neonatologistas – graças a Deus as minhas estudam e acreditam muito na fisiologia do parto e em uma boa assistência. 💪🏻🙏🏻⁣⁣

Mas antes de ter medo do “cocô na barriga”, é preciso entendê-lo: a primeira evacuação do bebê é denominada mecônio. Trata-se uma substância esverdeada (verde escuro ou petróleo) e pastosa, que pode ser liberada dentro ou fora do ambiente intrauterino. Caso ocorra dentro da barriga, tinge o líquido amniótico, o que chamamos de líquido amniótico tinto de mecônio ou líquido amniótico meconial. Não existem gradações do mecônio na literatura e sua caracterização mais correta é mecônio fluido ou espesso, a depender da quantidade de líquido amniótico dentro do útero (quanto mais líquido, mais fluido). ⁣⁣

Na grande maioria das vezes, a eliminação de mecônio na barriga, dentro ou fora do trabalho de parto traduz APENAS maturidade intestinal fetal, principalmente se ocorre após as 40 semanas de gestação. Quanto mais se aproxima das 42 semanas, mais comum é esse achado, o que não necessariamente significa anormalidade. É claro que, para que o aparecimento de mecônio intra útero tenda a ser considerado apenas fisiológico, a gestação deve ser de risco habitual e os exames de vitalidade fetal devem apontar normalidade, assim como a frequência cardíaca fetal deve ser tranquilizadora o tempo todo. ⁣⁣

E por que o mecônio é tão temido?⁣⁣

Por conta da Síndrome de Aspiração Meconial (SAM), complicação que pode sim levar a maus desfechos neonatais e vir a ser bem grave, podendo causar sequelas (pulmonares e neurológicas) ou mesmo a morte do bebê. Acontece raramente (em torno de 1%) e está intimamente associada ao bebê já não estar bem dentro da barriga (hipóxia intrautero) e não à simples presença de mecônio. Em português claro: o mecônio só vem a ser um problema SE o bebê não apresenta bons sinais de vitalidade. ⁣⁣

Se a gestação é de risco habitual, os exames estão normais, a ausculta fetal está ótima e, mesmo assim, ocorre eliminação de mecônio, isso não deve ser motivo de alarme enquanto o bebê se mostrar com boa vitalidade – e aí devo reforçar a importância não só da ausculta, mas como de sua adequada interpretação. Uma opção válida e recomendada é a cardiotocografia intraparto, porém não há evidências de que, se mantida contínua (até nascer), aumente a proteção para bebê contra a SAM – mas é sugerida por algumas escolas. ⁣⁣

Enquanto o bebê se mostrar bem, o parto deverá transcorrer normal e fisiologicamente, sem maiores intervenções. Aliás, uma opinião MINHA (nível de evidência Z; fonte: vozes da minha cabeça): em caso de eliminação de mecônio espesso durante o trabalho de parto, julgo ser bem válido evitar ao máximo quaisquer intervenções que possam causar alteração da frequência cardíaca fetal, como analgesia, uso de ocitocina e muito menos puxo dirigido. Se houver alguma alteração, na presença de mecônio, pode estar indicada a abreviação do parto: uso do vácuo extrator (caso já esteja no período expulsivo) ou até mesmo cesariana se estiver longe do expulsivo, fora de trabalho de parto ou se o trabalho de parto for muito inicial. A conduta deve ser individualizada conforme o desenrolar do caso. Por último, vale acrescentar que NÃO existem evidências de que cesariana proteja contra a SAM, ok?⁣⁣

E se romper a bolsa e tiver líquido meconial fora do trabalho de parto (RPMO)?⁣

Nesse caso, não está contraindicada a indução do parto se o bebê demonstrar boa vitalidade (cardiotocografia e doppler normais) e se o colo for favorável. O uso de ocitocina é possível, sempre em bomba de infusão e de preferência em doses mais conservadoras e lentamente progressivas, naturalmente com vigilância atenta e equipe 1:1 (lado a lado).⁣⁣

Em resumo: a ocorrência isolada de mecônio NÃO INDICA CESARIANA, tampouco é indicativa de que o bebê esteja em sofrimento ou ainda que esteja com maior risco de SAM – até que o próprio bebê demonstre o contrário. Sendo assim, uma boa e atenta assistência fará toda a diferença.⁣⁣

Foto: @deborasilveirafotografia

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