Fico realmente impressionada quando o movimento da humanização do parto é acusado de forçar partos ou se arriscar demais. Só mostra que essa crítica vem de quem não entende nada mesmo de fisiologia e do processo natural de nascimento, além de não se atualizar adequadamente.
Um exemplo ótimo disso é a distócia de ombros. Recebo muitas perguntas a respeito e já tenho um post sobre partos distócicos, mas acho válido aprofundar um pouco mais para que vocês entendam como nos acusam de maneira infundada.
Para quem não sabe, distócia de ombro é quando o ombro do bebê impacta na pelve após a saída da cabeça. É uma complicação perigosa, IMPREVISÍVEL, de alto risco e que precisa ser resolvida em poucos minutos – minutos esses preciosos para que o bebê finalmente nasça bem ou que pelo menos seja exposto a menos tempo de asfixia, com maior chance de nenhuma ou mínima sequela.
E é justamente aqui que o conhecimento sobre parto faz a maior diferença. Primeiramente, a equipe precisa ser muito bem treinada para resolução rápida e, com base em evidências científicas, respeito à fisiologia e adequado treinamento, essa situação geralmente consegue ser solucionada rapidamente e da melhor maneira possível, com manobras adequadas, geralmente não invasivas.
Ainda, não se coloca a mulher em posição de litotomia (deitada), nem antes e muito menos depois da distócia instalada – sabemos que reduz o diâmetro da pelve materna, o que só dificulta, atrasa ou impede o desprendimento do bebê. Além de não ser recomendável a posição supina, existem outras posições que, isoladamente, podem solucionar (e na verdade prevenir) a complicação – especialmente a posição de Gaskin ou “posição do corredor” (como na segunda foto deste post), que aumenta o diâmetro ântero-posterior da pelve. Só depois dessas tentativas, aliadas a manobras externas (especialmente pressão suprapúbica e hiperflexão de coxas se a mulher estiver semi sentada) é que lançamos mão das manobras internas, mais incômodas e invasivas (existem várias, muitas baseadas na rotação do bebê e extração manual do braço impactado).
Importante também pontuar que a tração da cabeça e/ou a pressão fúndica uterina/Kristeller é PROSCRITA, pois aumenta a impactação óssea e agrava o quadro.
Não há a menor necessidade, portanto, de submeter a mulher à posição que menos favorece o parto e ainda iniciar manobras invasivas sem antes tentar outras menos incômodas e que têm mais chance de sucesso rapidamente.
E, para além de como se deve solucionar uma distócia, vocês sabem quais são os maiores fatores de risco para um parto com distócia de ombros? Muita gente vai responder “bebê grande” e de fato a macrossomia fetal é um fator de risco, embora em torno de metade dos casos aconteça com bebês de tamanhos NORMAIS.
Então por quê?
Destaco especial atenção para intervenções desnecessárias no trabalho de parto. Desde anestesia sendo oferecida indiscriminadamente para todas (o que pode gerar uma cascata de intervenções), passando por acelerações desnecessárias do parto (como ocitocina sem indicação cristalina) até manobras jurássicas como Kristeller, imposição da posição de litotomia e intervenções como vácuo extração ou fórceps sem indicação fetal ou materna real pra isso.
Outros fatores de risco importantes: diabetes gestacional, especialmente se necessário uso de insulina para controle ou se existe descompensação fetal (macrossomia), gestação prolongada (>41/42s, com maiores chances de macrossomia), parto instrumental, trabalho de parto prolongado, parto induzido, multiparidade e distócia de ombro em gestação anterior.
Entendem que o parto humanizado não é só uma escolha bonitinha pra ficar bem no vídeo? É segurança, é evidência científica, é proteção para mulheres e seus bebês.